sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

A outra via - Ser LMC


Ser LMC? Porque não?

A Lídia é uma nossa amiga pigmeia que vem de tempos a tempos à missão.
Um Domingo, chegando a nossa casa disse que vinha à missa mas que depois queria falar comigo.
Pensei com os meus botões que ela tinha vindo para pedir alguma coisa. Com efeito, a seguir à missa, pediu-me que a acompanha-se à floresta pois queria mostrar-me duas situações complicadas. Uma mulher – Teresa – que, estando cega e sem filhos, não tinha quem cuida-se dela. E um homem – Ambrósio – um velho leproso também sem filhos.
Chamei a Márcia e lá fomos as duas com a Lídia e com o Gabriel – um amigo do mesmo acampamento dela – que entretanto se juntou a nós.
No caminho, encontramos a velha Teresa que partilhou connosco a sua solidão e a sua tristeza. Continuamos o caminho e nos pequenos acampamentos que íamos encontrando, parávamos a saudar as pessoas e a dar boas gargalhadas com os amigos.
Chegando ao acampamento da Lídia, encontramos o senhor Ambrósio. Os restantes habitantes do acampamento tinham-lhe refeito a casa mas ele temia que eles não tivessem a força necessária para continuarem a sustentá-lo.
Encorajamos o pobre mesmo sem grandes soluções a apresentar.
Continuamos pelo acampamento e porque, neste acampamento, é como se estivéssemos em casa, andamos de casa em casa a falar com todos os que íamos encontrando. Claro está que passamos mais tempo na casa da Lídia e na casa do Gabriel onde, no meio de conversas bem animadas íamos programando umas férias aqui no acampamento.
De regresso, aproveitando a beleza única da floresta, fomos parando nos diferentes acampamentos pigmeus e provando novos frutos que nunca tínhamos provado (pois, são frutos selvagens e, por isso mesmo, segundo a tradição, são muito reles para serem oferecidos aos brancos).

Quando chegamos ao caminho principal (a uns 3km de casa), a Lídia e o Gabriel regressaram ao acampamento e a Márcia e eu continuamos o caminho de regresso a casa.
Pelo caminho, as crianças vinham gritando com alegria nos cumprimentar e, claro está, os mais pequeninos iam chorando a fugir dos “fantasmas brancos” que se aproximavam.
O sol começava a esconder-se mas a alegria e a vida que encontrávamos ao longo do caminho nem por isso diminuíam.
Chegando a Mongoumba, a agitação da aldeia era visível: o mercado da noite tinha acabado de abrir e nós, longe de estarmos cansadas, lá continuamos mais um pouco até encontrarmos um bom peixinho bem picante para comermos enquanto íamos nos passeando pelos bairros.
Quando caiu a noite, estávamos a entrar em casa. Que Domingo bem passado! Quanta alegria que encontramos mas também quanta preocupação em relação à Senhora Teresa e ao Senhor Ambrósio. Rezamos a Deus agradecendo o dia e pedindo ajuda para melhor conseguirmos ajudar estes dois velhinhos sem criar novas dependências.
Duas semanas depois, a nossa Teresa foi acolhida por uma família pigmeia e o Senhor Ambrósio continua a ser cuidado pelos pigmeus do seu acampamento. Quanto a nós, vamos, sempre que possível, visitar os dois e, tentamos em cada Domingo, enviar alguma comida para ajudar a Lídia e o Gabriel e ajudarem estes dois sábios da tribo.
Em cada dia, damos graças a Deus pelo dom da vida e pela vocação e Missão a que nos chamou. Em cada dia, com alegria, confirmamos que sem ELE «nada podemos fazer»!

terça-feira, 8 de janeiro de 2013

Desafios, Sorrisos e Fé


Crescer na fé:
 o desafio de todo o missionário

Era Domingo, o calor abrasador e os valores de humidade ultrapassavam já os 80%! A Márcia e eu fomos a M’Baiki, ao centro diocesano de formação. Aí estavam alguns dos nossos professores em formação que deveriam regressar a Mongoumba.

Chegamos e participamos a sessão de encerramento da formação. Esta ainda não tinha terminado quando o céu começou a escurecer e o vento a soprar com violência.
Tentamos apressar o regresso mas, nada a fazer. A chuva batia com força contra os vidros do carro. Que fazer? No dia seguinte uma nova formação começava em Mongoumba e nós precisávamos de estar presentes. Não dava para esperar a chuva pois o bac para atravessar o rio fecha às 17 horas. Há que tentar meter-se à estrada confiando a viagem nas mãos de Deus.
Metemos as quatro-por-quatro e lá avançamos numa marcha entre os 15 e os 20 km/hora. Pouco mais que a 2km do centro de formação, encontramos uma barreira. É uma barreira que está na estrada exactamente para impedir que os veículos (sobretudo os camiões) circulem quando chove para evitar assim de estragar (ainda mais) a estrada.
O guarda da barreira veio falar comigo.
- “Ó irmã, não pode conduzir com a chuva!”
- “Eu sei” – disse-lhe eu – “mas o senhor vai ser simpático e vai-me deixar passar. Sabe bem que não são carros como o meu que estragam a estrada”.
- “Ai não sei” – continuou ele – “ordens são ordens”.
Sem me dar por vencida, continuei a argumentar:
- “Já viu que se eu ficar aqui não chegarei a tempo para atravessar o rio? Não está bem que eu não durma em casa. Ande lá!”
- “Pois… se a irmã ao menos pagasse o café à gente…”
Fazendo-me de desentendida, continuei:
- “Café? Eu aqui não tenho café! Mas olhe lá, já conhece a Márcia?” – ele olhou para dentro do carro e acenou que não com a cabeça. “Ela” – continuei eu – “é a minha nova colega e veja lá, é a primeira vês que alguém vai pará-la na barreira e ela terá de dormir na rua! Sabe como é, esta gente nova não está habituada a isto e a pobre está aqui está a chorar.”
A Márcia, numa boa interpretação do papel de menina desprotegida comoveu o homem que nos deixou continuar a viagem.
Lá seguimos sempre com todos os cuidados. A terra batida debaixo do carro parecia mais areia movediça. A um certo momento, o carro desliza e lentamente lá conseguimos parar já fora da faixa de rodagem. Entregando-nos nas mãos de Deus seguimos viagem agora numa média de 15km/hora. Foram os 80km de estrada mais longos que fizemos!
Chegamos ao bac às 17 horas em ponto. Debaixo de chuva atravessamos o rio e, com a graça de Deus chegamos a casa.
À noite, só a palavra “obrigada” conseguiu ser a nossa oração.
Em cada dia, seja a natureza ou a cultura em que estamos inseridos, conhecemos os nossos limites e experimentamos a graça da Providência Divina.
Dificuldades? Sempre! Mas a fé que nos alimenta não nos faz perder a esperança. Não vivemos a missão por nós mesmos mas por Aquele que aqui nos enviou e envia em cada novo dia.

segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

A Lei escrita no coração


«Mil vidas para a Missão»
do sonho de Comboni à actualidade

Mais de quarenta anos depois da evangelização de Mongoumba, é neste ano que se realizará, na festa da Sagrada Família, os primeiros casamentos católicos de pigmeus!
Na verdade, estes casamentos representam muito mais que a festa visível aos olhos de todos. Neste dia, 17 casais celebraram este sacramento e, pela primeira vez, pigmeus e não-pigmeus, numa situação de igualdade, partilharão os mesmos lugares de honra na Igreja e os mesmos trajes festivos!
A evangelização de pigmeus está no seu começo mas descobrimos com alegria que, culturalmente, estes possuem valores que estão muito de acordo com o cristianismo.
O Gabriel é um deles. Quando na visita a uma das capelas este jovem se aproximou do P. Jesús e lhe perguntou se não podia, também ele, casar-se com a sua mulher. O P. Jesús procurou saber um pouco mais da sua vida.
O Gabriel, a mulher e alguns dos pigmeus do mesmo acampamento, tinham sido baptizados no passado mas, de seguida, Mongoumba viveu vários anos sem padre residente e, pouco a pouco, os não-pigmeus tomaram todos os lugares na capela e na paróquia não lhes deixando muito espaço para a vida paroquial.
A nossa paróquia lançou, este ano, a ideia de fazer uma celebração única para a realização do casamento que reunisse casais de todas as capelas. Assim, o Gabriel, como outros do acampamento, querem aproveitar esta oportunidade, para celebrar, também eles, este sacramento (evitando assim as grandes despesas da festa, que serão partilhadas por todos os casais).
O P. Jesús, tentou saber um pouco mais: “A questão do dote está regularizada?” – perguntou ele.
- “Que dote? Nós (os pigmeus) não temos problemas de dote. Na nossa tradição não há nada a pagar.” – respondeu o Gabriel.
-“Mas”, continuou o P. Jesús, “ela é a tua única mulher ou há outras?”
- “Nós só temos uma mulher!”
O P. Jesús, partiu então ao acampamento com a Márcia para conhecer os outros casais e conhecer um pouco mais das suas vidas.
Este casamento que reunirá autoridades e pessoas simples será, sem dúvida, um momento abençoado para quebrar as barreiras da descriminação e descobrir novos caminhos de evangelização e de justiça para este povo que reclama o seu direito a conhecer a Cristo e a viver segundo os valores do Evangelho.

sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

“As grandes obras nascem aos pés da cruz”


A Cruz: O distintivo do missionário

Chama-se Francisca e faz parte dos mais de cem pigmeus leprosos que vivem em Mongoumba. Tem nove anos e uma personalidade rebelde que faz os adultos perderem a cabeça. Já o seu pai tinha estado leproso e, com o tratamento, conseguiu curar-se.
Com a Francisca, os seis meses de tratamento foram uma luta quase diária. Sem tomar os medicamentos com regularidade e percorrendo a floresta e a aldeia de ponta a ponta sem dar satisfações a ninguém, esta menina tornou-se mais que um elemento de contágio para as suas companheiras, um problema para ela mesma.
Com o tempo, apanhou outra doença – o PIAN – que é uma doença que provoca chagas em todo o corpo. Aí, cheia de dores, veio ao nosso dispensário e comprometeu-se a seguir todos os tratamentos que lhe recomendássemos.
O tempo passava e a Francisca vinha com regularidade fazer os curativos, contudo, quase todos os dias, nos chegava sem a ligadura do pé… as pessoas da aldeia roubavam-lhe mesmo a ligadura!
O nosso sentimento de limite e de impotência era quotidiano mas a esperança e a fé não nos faltavam, de maneira que íamos animando a pobre criança.
Pouco a pouco o PIAN desaparecia e as marcas de lepra também. Claro está, mesmo antes do tratamento acabar, a nossa Francisca voltou a desaparecer. A floresta é o seu mundo e, como todos os pigmeus, a sua liberdade é a maior riqueza e o maior valor que possui.
Procurei-a no acampamento e na aldeia… nada!
Passados uns meses, de visita ao seu acampamento, encontrei-a com as suas amigas de sempre. Estava linda a Francisca. Nem um sinal de lepra ou de doença. Deus seja louvado!
A batalha agora é outra: a Francisca e as suas amigas não vão à escola e, sempre rebelde, a nossa Francisca não ajuda nada as outras crianças que querem ir à escola… A ajudar ao problema, as pessoas da aldeia obrigam-nas a trabalhar os campos quase gratuitamente…
Mais uma vez o nosso limite está a descoberto: que fazer para ajudar estas crianças? Que fazer para prepará-las para lutarem contra a descriminação a que estão sujeitas diariamente?
Por aqui, continuamos nesta luta diária contra a discriminação racial que é, sem dúvida, a maior de todas as lepras que aqui temos. Confiamos, pois, o tratamento e a erradicação desta “doença” nas mãos de Deus. Contudo, sem repouso, com ELE vamos lutando em cada dia, mesmo se a experiência de limite está sempre presente. Com Comboni, neste combate, confiamos que, na verdade, como ele dizia, “as grandes obras nascem e crescem aos pés da cruz”!