terça-feira, 3 de setembro de 2013

Quando a dignidade é prioritária

A História dos cestos (in)úteis

Sempre sério e muito discreto, Jorge era um homem que, apesar de ainda não ser de idade muito avançada, sofria de várias doenças.
A retenção de líquidos era uma constante e a consequente discriminação também. De facto, todos consideravam que o seu mal «não era coisa de hospital» (era bruxedo!), por isso, Jorge era colocado à margem com a sua esposa igualmente discriminada por nunca ter tido filhos.
Este casal vivia, assim, com grandes dificuldades e fora do enquadramento social.
Um dia a mulher do Jorge adoeceu gravemente. Apesar das suas muitas dificuldades, Jorge consegui trazê-la (com um carrinho de mão) até à missão e, de seguida, até ao hospital. Esta mulher, completamente desidratada (e após vários dias de febre passados, em casa, sem medicação), acabou por sucumbir ao fim de três dias. O Jorge ficou sozinho e sem meios sequer para dar à sua esposa um funeral digno. Socorreram-lhe alguns cristãos que, dadas as circunstâncias, se prontificaram a ajudar.
Daí para a frente o Jorge, desesperando pela sua subsistência, começou a "fabricar" cestos. No entanto, não conseguia fazê-los senão rendilhados e abertos não sendo muito práticos para arrumações ou para outro tipo de utilização caseira. Contudo, a sua dignidade impedia-o de cair na mendicidade.
O Jorge sabia que ninguém queria comprar aqueles cestos... só a missão poderia compreender o seu desespero... Assim, veio uma vez vender, e nós compramos... outra vez, e nós compramos... e assim por diante.
Certo dia, o Jorge precisava de mais dinheiro que habitualmente, então, confeccionou um cesto enorme! Veio... a Augusta disse-me:
- Mais vale dar-lhe o dinheiro que ele precisa e ele leva o cesto.
Contudo, se o fizéssemos Jorge iria perceber que estava a receber uma esmola e, para o seu orgulho e dignidade, isso seria feri-lo demasiado.
Olhei para o cesto... entrei para dentro dele e disse a rir à Augusta:
- O cesto é útil! Ficamos com ele!
A rir, pagamos-lhe o cesto e o Jorge lá foi todo contente.
Este foi o seu último cesto... Um dia, passou lá por casa de noite, vinha despedir-se. No hospital tinham-lhe dito que era melhor ir para casa descansar. O Jorge sentia-se a morrer... Convidamo-lo a jantar, mas não quis. Demos-lhe algum dinheiro e ele, prometendo que nos iria trazer outro cesto se algum dia conseguisse melhorar, lá foi para casa...
O Jorge partiu, na casa, ficaram os cestos perpetuando a memória de alguém que nunca deixou de lutar pela sua dignidade.

Estes cestos, hoje acumulados em casa, falam das razões pelas quais se mantém firme a nossa esperança: a luta pela justiça social, pelo direito à Vida e sobretudo, a luta pela dignidade humana.

1 comentário:

  1. Muitos parabéns Susana! Ès uma verdadeira escritora... Beijinhos espero ver te em Viseu no próximo fim de semana...

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