quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Justiça e perdão


“Cristo Vivo na Missão para que todos possam ter Vida"

O Pedro tem 5 anos, é mudo e a sua mãe é viúva já há alguns anos. Um dia, o Pedro caiu no fogo e ficou com metade do corpo queimado. Assim, conhecemos nós o Pedro.
Quando foi visto no hospital, a situação foi considerada “demasiado grave” e, por isso, foi-lhe negada a possibilidade de ficar internado. Guardamos, pois, o Pedro, com a sua mãe e os seus dois irmãozinhos, no nosso centro para deficientes durante um ano.
Durante este tempo, o seu irmão mais novo, João, ficou doente. A mãe tinha partido para a floresta em busca de comida e as crianças estavam sozinhas. Assim, enviamos o pequeno João, com 40º de febre, com o nosso enfermeiro ao hospital.
Como o nosso enfermeiro, após a consulta, se cansou de esperar pelo pessoal do hospital para pôr o soro na criança, foi-se embora.
O nosso Joãozinho, com apenas três anos, passou, assim, um dia inteiro no hospital a fim de receber o tratamento adequado. Ali, sozinho sobre a cama do hospital, esperou que lhe pusessem o soro… finalmente, cansado de esperar, saiu com os medicamentos na mão.
Claro que isto implicou uma acção radical com o hospital. Graças a Deus o Joãozinho não morreu mas acabou por receber o soro, no dia seguinte, pelas mãos do nosso enfermeiro socorrista (contra a autorização do hospital…).
Levamos o caso às autoridades locais (já que a justiça por cá é lenta demais e injusta para brancos e pigmeus…). Após a reunião, o Presidente da Câmara pede ao chefe do hospital que faça um pedido de desculpas formal. Este, fê-lo, pedindo-me “perdão pelo que aconteceu com João”. Eu, que não estava lá para ouvir histórias, respondi que o pedido de perdão seria transmitido à família do pequenino e que, com certeza, seria aceite. Assim, pela primeira vez, um Bantú (não-pigmeu) viu-se obrigado a pedir oficialmente perdão a um pigmeu.
No final, o Presidente de Câmara pediu-me que termina-se a reunião com uma oração (faz parte da tradição começar e terminar sempre com uma oração). Como nem todos eram católicos e como me parecia ser o mais adequado, rezei o pai-nosso. No fim, após um breve silêncio, o Presidente da Câmara (mulçumano) exclamou: “esta oração entrou-me nas veias como um soro quando estamos doentes”.
É assim a nossa vida quotidiana. Há que vivê-la com o coração sem cortar relações mas procurando, a cada instante, uma ponte que nos faça seguir juntos rumo ao desenvolvimento, justos rumo aos verdadeiros valores da vida humana.
Quanto ao nosso Pedrocas, quando finalmente as queimaduras cicatrizaram, verificamos que a cabeça estava ligeiramente colada ao ombro e que o baço direito também não estava completamente livre. Assim, aproveitamos a vinda de um cirurgião francês que veio para operar crianças deficientes aqui ao nosso centro, e operamos o nosso Pierre.
Hoje, faz mais de um ano que ele se encontra, com a família, no acampamento e, embora não fale, quando ouve a nossa voz sempre sorri. Quanto ao Joãozinho, está muito maior e não resiste a se aproximar quando paramos o carro no caminho da sua casa.
Que Deus continue, pois, a fazer-se presente no meio de nós e a ajudar-nos a ser instrumentos de Vida para que todos possam tê-la em abundância.

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