A Morte
vista a partir da Missão
A Maria Natal é a nossa cozinheira. Quando soubemos que
estava grávida, alegramo-nos com ela e, apesar do muito trabalho, passamos os
nove meses em expectativa e alegria. Eu dizia-lhe sempre, “vamos lá a ver se é um
rapaz para ver se assim ainda posso entrar na tua família!” De brincadeira em
brincadeira, o tempo passou e ela deu à luz este rapagão de mais de 4 quilos!
Chamou-lhe Abdias (como o profeta) e sempre dizendo que
este seria o meu marido ia fazendo a inveja de todas as mamãs que vêm com os
seus pequeninos à Missão. Assim, pouco a pouco, Abdias tornou-se o primeiro dos
meus “maridos”.
Claro que, partilhando o dia a dia com este bebé que não
tinha lá grande saúde, este chegava a chorar e a fugir dos braços da mãe para
se lançar nos meus braços.
Um dia, a febre atacou e pouco a pouco foi-se formando uma
grande micose na boca. Sem medicamentos adequados em Mongoumba, sugerimos à mãe
que o evacuássemos. Ele encontrava-se tão debilitado que lhe sugerimos ir, não de
carro (com as estradas que aqui temos) até Bangui, mas ir de canoa até Libenge
(no Congo) onde se encontra um hospital gerido pelas irmãs de S. José.
Ela não apreciou a ideia, pois, segundo a tradição, o rio é
cheio de feitiços e poderia, assim, ser fatal para o bebé. Também o responsável
pelo hospital quase a proibiu de tirar o bebé dali dizendo que ele possuía
todos os meios para o salvar.
Os dias passaram e a micose espalhou-se pelo corpo todo. O
nosso Abdias partiu para Deus antes de completar dois anos de vida.
No dia seguinte, fui visitar a mãe que, abraçando-me
gritava por meio de soluços: “eis que o casamento não será feito”, esta era a
sua forma de dizer que todos os sonhos e tudo quanto vivemos com este menino
estavam terminados.
Passado mais alguns dias, agora com um pouco mais de
serenidade da sua parte, respondi a este grito com uma mensagem de esperança.
Na verdade, aqui na Missão, a morte é uma constante e
torna-se sempre uma força para lutar em favor da justiça para que muitos outros
“possam ter Vida e tê-la em abundância”.
Hoje, a Maria Natal tem mais um bebé, chama-se Daniel (em
honra de Daniel Comboni) e, continua a brincar com um novo casamento. Nada
mudou? Não! No seu coração Abdias continua vivo e, ao contrário do que
acontecia, quando questionada ao nível das autoridades sobre a competência do
pessoal do hospital, esta mulher não tem medo de responder de acordo à
realidade. Não o faz por vingança, antes, como ela mesma diz: “se eles (os do
hospital) souberem o que eu disse e se quiserem vingar, que se vinguem. Eu
morro mas a verdade é a verdade”.
Sejamos, pois, nós também, no nosso dia a dia, capazes de,
sem medo de represálias, gritar a verdade em favor da Vida. Conto convosco
nesta luta!
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